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Reporteres sem fronteiras

Publicidade estatal

Gastos atuais contribuem com a concentração e são seletivos politicamente

A ausência de um marco legal que regulamente o uso de verbas de publicidade estatal na mídia, aliada aos usos seletivos dessa verba para comprar apoio editorial às ações do governo, demonstram que há um alto risco de controle político e de silenciamento das críticas por meio da alocação dessas verbas.

Em 2016, após a chegada ao poder do presidente Michel Temer, muitas denúncias em diferentes meios de comunicação trataram da discriminação da publicidade oficial. A Folha de S. Paulo noticiou que o governo federal pediu listas de mídias regionais afins aos deputados para fazer anúncios da reforma da previdência; o portal The Intercept, de Glenn Greenwald, demonstrou que, após reunião de Temer com Silvio Santos, o SBT e seus apresentadores iniciaram campanhas publicitárias em defesa das reformas do governo; o Estadão, que faz defesa editorial das reformas de Temer, denunciou: “A ofensiva do governo para atrair apoio à reforma da Previdência passa agora pela distribuição das verbas federais de publicidade, principalmente em rádios e TVs. A estratégia […] é fazer com que locutores e apresentadores populares, principalmente no Nordeste, expliquem as mudanças sob um ponto de vista positivo. Os veículos de comunicação que aderirem à campanha terão direito à publicidade federal”.

A instituição que permitia o acompanhamento das informações de publicidade estatal, o IAP (Instituto para Acompanhamento da Publicidade), conveniada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, foi fechada em maio de 2017. Isso representou um revés à transparência dos dados sobre a publicidade do governo e das empresas públicas.

Apesar de a publicidade governamental ser direcionada segundo afiliações e afinidades políticas, no governo federal há mais de uma década é adotado o chamado “critério técnico”, segundo o qual as estratégias de publicidade devem em geral considerar a audiência e maximizar o alcance segundo o investimento. Como relatado no documento de análise legal, a Instrução Normativa da Secretaria de Comunicação da Casa Civil da Presidência da República 7, de 19 de dezembro de 2014, estabelece as diretrizes para o planejamento das ações de mídia (Art. 7o): “I - usar critérios técnicos na seleção de meios e veículos de comunicação e divulgação; II - desconcentrar o investimento por meios e veículos; III - valorizar a programação de meios e veículos de comunicação e de divulgação regionalizados”.

A IN define como critérios técnicos (Art. 8o): “I - utilizar pesquisas e dados técnicos de mercado para identificar e selecionar a programação mais adequada, conforme as características de cada ação publicitária; II - investimentos destinados a cada veículo devem considerar as respectivas audiências, embasados, sempre que possível, em dados técnicos de mercado, pesquisas e/ou estudos de mídia; III - orientar-se por uma programação abrangente sempre que existirem outros veículos com situação regular no Midiacad [sistema do governo]”. Sem abandonar esses critérios, as duas gestões de Lula realizaram um movimento de regionalização da alocação das verbas de publicidade. Durante o período, o número de veículos atendidos cresceu 961%, saindo de 21 TVs e 270 rádios em 2003 para 297 TVs e 2.597 rádios em 2009.

Com a derrubada de Dilma Rousseff e a chegada de Temer, o discurso de seguir “critérios técnicos” fundamentou a decisão do governo de suspender o financiamento aos meios alternativos críticos a Temer, logo na primeira semana do governo. O orçamento dos meios alternativos representava cerca de 0,6% do orçamento da Secretaria.

O cruzamento dos dados de audiência e de alocação de publicidade revela amplas contradições com os pretensos critérios “técnicos”. Conforme a metodologia do MOM, uma amostragem do nosso universo de veículos foi analisada em relação às discriminações de verba publicitária, com base em dados solicitados pela Lei de Acesso à Informação e organizados por jornalistas do site Poder360. Os dados revelam significativas distorções em 2016: como ilustração, a revista Veja (Grupo Abril) recebeu proporcionalmente 50% mais verba publicitária do que a proporção de sua audiência; o jornal O Globo (Grupo Globo), 66% a mais; a revista Época (Grupo Globo), 83% acima da audiência proporcional; e a rede de TV Band (Grupo Bandeirantes) recebeu verbas publicitárias que representam 95% mais do que a proporção de sua audiência. Na mesma direção, um levantamento do Blog O Cafezinho revelou aumento da destinação de verbas para veículos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff e a gestão Temer: o jornal Folha de S. Paulo teve aumento de 121%, o jornal Estado de São Paulo, de 229%, a Revista Época, de 252%, a Revista Veja, de 489%, a TV Record, de 510% e a Revista IstoÉ, de 1.384%. Em 2017, apenas uma campanha, a de aprovação da reforma da previdência, consumiu do governo R$ 100 milhões, 55% do total previsto para campanhas publicitárias no ano, que era de R$ 180 milhões.

Também nas escalas estadual e municipal, há denúncias sobre outras formas de financiamento estatal arbitrário, como a assinatura de revistas sem licitação para a distribuição em escolas.

Hoje, a concentração midiática é agravada devido à predileção da publicidade estatal por investir nos grandes grupos de mídia, ao invés de uma desejável desconcentração das verbas publicitárias. A ausência de uma regulação que crie regras claras para o uso das verbas de publicidade estatal, em todos os níveis, traz riscos à pluralidade de vozes. Sem essa regulação, o que se observa é a alocação da publicidade de maneira a discriminar politicamente as vozes contrárias ao governo e o financiamento desproporcional a meios que apoiam editorialmente as políticas do governo.

Texto publicado em outubro de 2017.

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