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Reporteres sem fronteiras

Participação religiosa na mídia brasileira

A presença religiosa no sistema brasileiro de mídia é crescente desde os anos 1980, principalmente na radiodifusão. Dos 50 veículos pesquisados pelo MOM, nove são de propriedade de lideranças religiosas – todas cristãs, dominantes no Brasil. O Grupo Record, formado hoje pela RecordTV, a RecordNews, o Portal R7 e o jornal Correio do Povo, entre outros veículos não listados na pesquisa, pertence desde 1989 ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Os bispos da IURD possuem também, desde 1995, emissoras de rádio, como as que formam a Rede Aleluia, também incluída na pesquisa pelo seu alcance e audiência.

Outros veículos evangélicos listados na pesquisa são a Rede Gospel de televisão, nas mãos dos bispos Estevam e Sônia Hernandes, líderes da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, desde 1996, e a Rede Novo Tempo de rádio, lançada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia em 1989.

Já a Igreja Católica aparece na pesquisa associada a duas redes: a Rede Católica de Rádio (RCR), fundada em 1997 a partir da união de sete outras redes de rádio já existentes pertencentes a instituições e leigos católicos, e a Rede Vida, concessão dada em 1990 mas que começou a transmitir em 1995, sob gestão do INBRAC – Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã.

No que se refere à propriedade de mídia por lideranças religiosas, a situação se repete entre veículos de menor audiência, não incluídos de forma direta na pesquisa. Envolve também jornais de circulação gratuita que também não entraram na pesquisa, como o semanário Folha Universal, da IURD, que tem tiragem de 1,8 milhão de exemplares, muito acima dos jornais diários de grande circulação, como a Folha de S. Paulo, com cerca de 300 mil exemplares/dia, e das revistas semanais, como a Veja, com cerca de 1,1 milhão de exemplares/semana (IVC 2016).

Além disso, como mostrou Mônica Mourão em reportagem para o Intervozes, publicada em outubro de 2016, diversos líderes religiosos donos de veículos de radiodifusão eram também políticos com mandato legislativo, situação que contraria a legislação brasileira. Na ocasião, o Ministério Público de São Paulo, a partir de uma representação assinada por entidades da sociedade civil, incluindo o Intervozes, havia pedido o cancelamento das outorgas de radiodifusão dadas a pessoas jurídicas que tivessem políticos em exercício do mandato entre seus sócios. Dos 32 deputados federais listados pelo Ministério Público, nove faziam parte da bancada evangélica, o que correspondia a quase 30% do total. Desses, quatro faziam parte também da bancada ruralista. Um deles, Beto Mansur (PRB-SP), foi condenado por exploração de trabalho escravo.

Dos nove veículos de propriedade de lideranças religiosas listados na pesquisa, cinco direcionam todo o seu conteúdo para a defesa dos valores de sua religiosidade específica: as redes de rádio Aleluia, Novo Tempo e RCR e as emissoras de TV da Rede Gospel e da Rede Vida. Isso não significa que a grade de horários seja formada exclusivamente por programas definidos formalmente como religiosos, como transmissão de missas, cultos e outras cerimônias, mas que há uma variedade de programas, como jornalismo, entretenimento e entrevistas, produzidos a partir de uma visão de mundo e de valores que esses grupos definem como cristãos.

Os outros veículos de propriedade de Edir Macedo - a RecordTV, a RecordNews, o Portal R7 e o jornal Correio do Povo - são veículos comerciais que têm uma programação que concorre com outros veículos comerciais de mídia, como as redes de TV aberta Globo, SBT e Band, as redes de TV all news GloboNews e BandNews, os portais Globo.com e Uol.com.br e o jornal Zero Hora.

Classificar um veículo como comercial não significa dizer que a religiosidade não esteja presente. Diversos veículos que não são definidos como religiosos apresentam conteúdo de denominações religiosas em suas páginas ou grades de programação. Das seis redes comerciais de TV aberta listadas, a única exceção é o SBT. Estudo realizado pela Ancine – Agência Nacional de Cinema, em 2016, mostra que a programação religiosa é o principal gênero transmitido pelas redes de TV aberta do país, ocupando 21% do total de programação. A campeã é a Rede TV!, que teve 43,41% do seu tempo destinado a programas religiosos naquele ano. Em seguida, vieram a RecordTV, com 21,75%, a Band, com 16,4%, a TV Brasil, com 1,66%, e a Globo, com 0,58%.

Os programas veiculados pela Rede TV!, pela RecordTV e pela Band estão sendo investigados pelo Ministério Público como prática ilegal de arrendamento, que seria a venda de horários de programação pelas emissoras de TV e de rádio para terceiros, quando o concessionário deveria ser responsável pela programação (de produção própria ou de produção independente). O aluguel de horário é uma das principais fontes de receitas de algumas emissoras, algumas delas que passam por crise financeira, como informa o jornalista especializado em TV Flávio Ricco em relação à Band.

Hoje, na Rede TV!, há quatro programas religiosos de segunda a sexta-feira, sete aos sábados e quatro aos domingos. Treze são de igrejas evangélicas (IURD, Igreja Internacional da Graça de Deus, diferentes segmentações das Assembleias de Deus, Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, Igreja Bíblica da Paz e Igreja Bola de Neve) e dois da Igreja Católica (missas). Na Band, há dois programas durante a semana, oito aos sábado e dois aos domingos. Onze são de igrejas evangélicas (IURD, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Presbiteriana do Brasil, Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Assembleia de Deus do Brás e Ministério Mudança de Vida, único programa religioso da TV aberta apresentado por uma mulher) e um da religião ou “filosofia de vida”, como também se definem, Seicho-No-Ie. A RecordTV exibe apenas programação da IURD, durante as madrugas, além de três programas religiosos produzidos pela própria emissora e apresentados por bispos da Universal.

Outros conglomerados que alugam horário de programação são o Grupo Estado e o Grupo Objetivo. O primeiro possui as rádios Estadão 700 AM e 92,9 FM arrendadas, respectivamente, para a Rede Nossa Rádio, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e a Igreja Comunidade Cristã Paz e Vida. O segundo tem a concessão da TV RBI, que já arrendou faixas de programação para as igrejas evangélicas Plenitude do Trono de Deus e Igreja Mundial do Poder de Deus, e hoje tem uma programação variada.

Já a TV Brasil e a Rede Globo transmitem programas religiosos de produção própria ou de produção independente, mas que não se constituem como arrendamento. A TV Brasil, apesar de ser uma TV pública, exibe missa católica aos domingos. Não conseguimos atualizar os dados sobre a programação da emissora, pois eles não estão disponíveis em seu site. Mas, como mostra Mônica Mourão em reportagem já citada, em 2016 eram exibidos também os programas Palavras de Vida e Reencontro. O evangélico Reencontro não só fazia proselitismo religioso como também servia de palanque político, segundo denúncias protocoladas pelos telespectadores na Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A Rede Globo exibe também a Santa Missa católica, aos domingos.

É importante acrescentar que dois dos grupos de radiodifusão presentes na pesquisa possuem também gravadoras que têm em seu cast artistas católicos e evangélicos. O Grupo Globo é dono da Som Livre, que produz os álbuns dos padres cantores – campeões em vendas de discos no Brasil – e de artistas evangélicos, através do selo Você Adora. A emissora também exibe festivais de música gospel, o Promessas, e apresenta padres cantores e artistas evangélicos em sua programação. A IURD possui a gravadora Line Records, que grava exclusivamente artistas evangélicos.

A mídia impressa e os portais de internet também apresentam conteúdo religioso fixo. Para citar dois exemplos, o jornal Extra, do Grupo Globo, tem entre seus colunistas o padre cantor Marcelo Rossi – que também tem um programa na Rádio Globo AM/FM - e a pastora e artista evangélica Aline Barros, ligada à Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul. Outro jornal impresso que tem um número significativo de colunistas religiosos é O Tempo, do Grupo Editorial Editora Sempre/Grupo SADA. Seu dono, budista e estudioso de filosofias e religiões, como se define, fala constantemente sobre o tema em suas colunas. Além disso, há o padre e cantor da Renovação Carismática Católica Marcelo Rossi, o ex-padre Leonardo Boff, da Teologia da Libertação, e os pastores evangélicos Márcio Valadão, líder da Igreja Batista da Lagoinha, e Jorge Linhares, líder da Igreja Batista Getsêmani, ambas igrejas pentecostais com sede em Belo Horizonte (MG). Há ainda o líder espiritualista José Trigueirinho Netto, fundador da Comunidade-Luz Figueira e membro da Fraternidade – Federação Humanitária Internacional, e o líder espírita José Reis Chaves, tradutor de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Alan Kardec.

Como podemos observar, a mídia brasileira não só possui muitas relações religiosas, como essas relações se resumem basicamente ao cristianismo em suas vertentes católica e evangélica. As minorias religiosas do país, como as religiões de matriz africana (Umbanda e Candomblé), não têm voz no sistema brasileiro de mídia de maior audiência.

Disputas religiosas e econômicas

As três emissoras de TV aberta de maior audiência no Brasil – Globo, RecordTV e SBT – protagonizam disputas que possuem componentes não apenas econômicos, mas também religiosos. A mais conhecida dessas disputas acontece entre a Rede Globo e a RecordTV. Vejamos alguns episódios dessa disputa privada feita com concessões públicas:

Em 1991, o Globo Repórter questionou o modo como a IURD recolhia dízimos e fez denúncias envolvendo a compra da TV Record, em 1989. No ano seguinte, Edir Macedo ficou 11 dias preso acusado de estelionato, charlatanismo e curandeirismo, mas as denúncias não foram comprovadas.

Em 1995, o Jornal Nacional deu voz a um ex-pastor da Universal, Carlos Magno, que fazia denúncias graves, como suposto recebimento de dinheiro de tráfico de drogas, e mostrava um vídeo em que o bispo ensinava a outros pastores como arrecadar dinheiro dos fiéis.

No mesmo ano, a emissora colocou no ar a minissérie Decadência, inspirada no romance de Dias Gomes, que tinha como personagem principal um líder religioso que ascendeu utilizando dízimos dos fiéis para a compra de estações de rádio e um canal de televisão, personagem que foi associado à imagem que a mídia fazia do bispo Macedo, inclusive por ter utilizado frases iguais às que o bispo havia proferido em uma entrevista à revista Veja.

Ainda em 1995, a emissora exibiu diversas vezes em seus telejornais a imagem em que um bispo da Universal, Sérgio Von Heider, chutava uma imagem de Nossa Senhora Aparecida durante o programa O Despertar da Fé, exibido na TV Record, estratégia para causar a reação dos católicos brasileiros, que ainda compõem a maior parte da população.

A RecordTV reagiu. Em 1995, o programa 25a Hora apresentou uma edição especial sobre a Fundação Roberto Marinho, denunciando o uso de dinheiro público, através da fundação, para empresas privadas do grupo, como o jornal O Globo e a Rede Globo (ver em www.youtube.com/watch e www.youtube.com/watch.

Em 2009, a guerra continuou: o Jornal Nacional apresentou a investigação da promotoria de São Paulo para apurar se a Universal teria usado dinheiro dos fiéis, arrecadados com isenção de impostos, para a compra de diversos veículos de comunicação.

A Record respondeu com uma reportagem acusando a família Marinho de usar a Rede Globo para apoiar a Ditadura Militar e influenciar as eleições presidenciais e estaduais na redemocratização.

Em 2017, o Domingo Espetacular, da RecordTV, fez uma reportagem sugerindo que a Rede Globo temeria a delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci (PT) na Operação Lava Jato, pois ela poderia mostrar "negócios da TV Globo envolvendo sonegação fiscal, empresas de fachada no exterior e negócios em contratos do futebol".

Tendo em vista os interesses econômicos, políticos e religiosos em jogo, fiquemos de olho nos próximos capítulos.

Texto publicado em outubro de 2017.

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